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Vida
Adélia Prado

O sonho encheu a noite
Extravasou pro meu dia
Encheu minha vida
E é dele que eu vou viver
Porque sonho não morre.


Oh ! Páginas da Vida que Eu Amava
Álvares de Azevedo

Oh! Páginas da vida que eu amava,
Rompei-vos! nunca mais! tão desgraçado! ...
Ardei, lembranças doces do passado!
Quero rir-me de tudo que eu amava!

E que doudo que eu fui! como eu pensava
Em mãe, amor de irmã! em sossegado
Adormecer na vida acalentado
Pelos lábios que eu tímido beijava!

Embora — é meu destino. Em treva densa
Dentro do peito a existência finda
Pressinto a morte na fatal doença!

A mim a solidão da noite infinda!
Possa dormir o trovador sem crença
Perdoa minha mãe - eu te amo ainda!



De Novo A Vida
Antero Coelho Neto

Depois de um sopro,
de novo a vida.

Depois da grande inércia,
novamente o fluxo.

Depois dos tempos de nada,
novamente a emoção.

Depois da grande ausência,
a enorme alegria do movimento.

Depois de um enorme vácuo,
eis que sou alguém outra vez.

De repente,
o pulsar do sangue,
novamente,
rápido,
o coração a bater,
o sangue a correr.

Vivo de novo,
eu conheci você!


Vida
Augusto Branco

Já perdoei erros quase imperdoáveis,
tentei substituir pessoas insubstituíveis
e esquecer pessoas inesquecíveis.

Já fiz coisas por impulso,
já me decepcionei com pessoas
que eu nunca pensei que iriam me decepcionar,
mas também já decepcionei alguém.

Já abracei pra proteger,
já dei risada quando não podia,
fiz amigos eternos,
e amigos que eu nunca mais vi.

Amei e fui amado,
mas também já fui rejeitado,
fui amado e não amei.

Já gritei e pulei de tanta felicidade,
já vivi de amor e fiz juras eternas,
e quebrei a cara muitas vezes!

Já chorei ouvindo música e vendo fotos,
já liguei só para escutar uma voz,
me apaixonei por um sorriso,
já pensei que fosse morrer de tanta saudade
e tive medo de perder alguém especial (e acabei perdendo).

Mas vivi!
E ainda vivo!
Não passo pela vida.
E você também não deveria passar!

Viva!!

Bom mesmo é ir à luta com determinação,
abraçar a vida com paixão,
perder com classe
e vencer com ousadia,
porque o mundo pertence a quem se atreve
e a vida é muito para ser insignificante.



Viver
Carlos Drummond de Andrade

Mas era apenas isso,
era isso, mais nada?
Era só a batida
numa porta fechada?

E ninguém respondendo,
nenhum gesto de abrir:
era, sem fechadura,
uma chave perdida?

Isso, ou menos que isso
uma noção de porta,
o projecto de abri-la
sem haver outro lado?

O projecto de escuta
à procura de som?
O responder que oferta
o dom de uma recusa?

Como viver o mundo
em termos de esperança?
E que palavra é essa
que a vida não alcança?



PERGUNTO-TE ONDE SE ACHA A MINHA VIDA
Cecília Meireles

Pergunto-te onde se acha a minha vida.
Em que dia fui eu. Que hora existiu formada
de uma verdade minha bem possuída

Vão-se as minhas perguntas aos depósitos do nada.

E a quem é que pergunto? Em quem penso, iludida
por esperanças hereditárias? E de cada
pergunta minha vai nascendo a sombra imensa
que envolve a posição dos olhos de quem pensa.

Já não sei mais a diferença
de ti, de mim, da coisa perguntada,
do silêncio da coisa irrespondida.



Assim eu vejo a vida
Cora Coralina

A vida tem duas faces:
Positiva e negativa
O passado foi duro
mas deixou o seu legado
Saber viver é a grande sabedoria
Que eu possa dignificar
Minha condição de mulher,
Aceitar suas limitações
E me fazer pedra de segurança
dos valores que vão desmoronando.
Nasci em tempos rudes
Aceitei contradições
lutas e pedras
como lições de vida
e delas me sirvo
Aprendi a viver.



Viver
Fernando Pessoa

Viver é ser outro. Nem sentir é possível se hoje se
sente como ontem se sentiu: sentir hoje o mesmo
que ontem não é sentir - é lembrar hoje o que
se sentiu ontem, ser hoje o cadáver vivo do que
ontem foi a vida perdida.



À vida
Florbela Espanca

É vão o amor, o ódio, ou o desdém;
Inútil o desejo e o sentimento...
Lançar um grande amor aos pés de alguém
O mesmo é que lançar flores ao vento!

Todos somos no mundo "Pedro Sem",
Uma alegria é feita dum tormento,
Um riso é sempre o eco dum lamento,
Sabe-se lá um beijo de onde vem!

A mais nobre ilusão morre... desfaz-se...
Uma saudade morta em nós renasce
Que no mesmo momento é já perdida...

Amar-te a vida inteira eu não podia,
A gente esquece sempre o bom de um dia.
Que queres, meu Amor, se é isto a vida!



Esta vida
Guilherme de Almeida

Um sábio me dizia: esta existência,
não vale a angústia de viver. A ciência,
se fôssemos eternos, num transporte
de desespero inventaria a morte.
Uma célula orgânica aparece
no infinito do tempo. E vibra e cresce
e se desdobra e estala num segundo.
Homem, eis o que somos neste mundo.


Assim falou-me o sábio e eu comecei a ver
dentro da própria morte, o encanto de morrer.


Um monge me dizia: ó mocidade,
és relâmpago ao pé da eternidade!
Pensa: o tempo anda sempre e não repousa;
esta vida não vale grande coisa.
Uma mulher que chora, um berço a um canto;
o riso, às vezes, quase sempre, um pranto.
Depois o mundo, a luta que intimida,
quadro círios acesos : eis a vida


Isto me disse o monge e eu continuei a ver
dentro da própria morte, o encanto de morrer.


Um pobre me dizia: para o pobre
a vida, é o pão e o andrajo vil que o cobre.
Deus, eu não creio nesta fantasia.
Deus me deu fome e sede a cada dia
mas nunca me deu pão, nem me deu água.
Deu-me a vergonha, a infâmia, a mágoa
de andar de porta em porta, esfarrapado.
Deu-me esta vida: um pão envenenado.


Assim falou-me o pobre e eu continuei a ver,
dentro da própria morte, o encanto de morrer.


Uma mulher me disse: vem comigo!
Fecha os olhos e sonha, meu amigo.
Sonha um lar, uma doce companheira
que queiras muito e que também te queira.
No telhado, um penacho de fumaça.
Cortinas muito brancas na vidraça
Um canário que canta na gaiola.
Que linda a vida lá por dentro rola!


Pela primeira vez eu comecei a ver,
dentro da própria vida, o encanto de viver.


Canção do dia de sempre
Mario Quintana

Tão bom viver dia a dia...
A vida assim, jamais cansa...

Viver tão só de momentos
Como estas nuvens no céu...

E só ganhar, toda a vida,
Inexperiência... esperança...

E a rosa louca dos ventos
Presa à copa do chapéu.

Nunca dês um nome a um rio:
Sempre é outro rio a passar.

Nada jamais continua,
Tudo vai recomeçar!

E sem nenhuma lembrança
Das outras vezes perdidas,
Atiro a rosa do sonho
Nas tuas mãos distraídas...



A Vida
Olavo Bilac

Na água do rio que procura o mar;
No mar sem fim; na luz que nos encanta;
Na montanha que aos ares se levanta;
No céu sem raias que deslumbra o olhar;
No astro maior, na mais humilde planta;
Na voz do vento, no clarão solar;
No inseto vil, no tronco secular,
— A vida universal palpita e canta!
Vive até, no seu sono, a pedra bruta...
Tudo vive! E, alta noite, na mudez
De tudo, – essa harmonia que se escuta
Correndo os ares, na amplidão perdida,
Essa música doce, é a voz, talvez,
Da alma de tudo, celebrando a Vida!


A Vida Vivida
Vinicius de Moraes

Quem sou eu senão um grande sonho obscuro em face do Sonho
Senão uma grande angústia obscura em face da Angústia
Quem sou eu senão a imponderável árvore dentro da
noite imóvel
E cujas presas remontam ao mais triste fundo da terra?

De que venho senão da eterna caminhada de uma sombra
Que se destrói à presença das fortes claridades
Mas em cujo rastro indelével repousa a face do mistério
E cuja forma é prodigiosa treva informe?

Que destino é o meu senão o de assistir ao meu Destino
Rio que sou em busca do mar que me apavora
Alma que sou clamando o desfalecimento
Carne que sou no âmago inútil da prece?

O que é a mulher em mim senão o Túmulo
O branco marco da minha rota peregrina
Aquela em cujos abraços vou caminhando para a morte
Mas em cujos braços somente tenho vida?

O que é o meu Amor, ai de mim! senão a luz impossível
Senão a estrela parada num oceano de melancolia
O que me diz ele senão que é vã toda a palavra
Que não repousa no seio trágico do abismo?

O que é o meu Amor? senão o meu desejo iluminado
O meu infinito desejo de ser o que sou acima de mim mesmo
O meu eterno partir da minha vontade enorme de ficar
Peregrino, peregrino de um instante, peregrino de todos os instantes

A quem repondo senão a ecos, a soluços, a lamentos
De vozes que morrem no fundo do meu prazer ou do meu tédio

Qual é o meu ideal senão fazer do céu poderoso a
Língua
Da nuvem a Palavra imortal cheia de segredo
E do fundo do inferno delirantemente proclamá-los
Em Poesia que se derrame como sol ou como chuva?

O que é o meu ideal senão o Supremo Impossível
Aquele que é, só ele, o meu cuidado e o meu anelo
O que é ele em mim senão o meu desejo de encontra-lo
E o encontrando, o meu medo de não o reconhecer?

O que sou eu senão ele, o Deus em sofrimento
o temor imperceptível na voz portentosa do vento
O bater invisível de um coração no descampado ...
que sou eu senão Eu Mesmo em face de mim?

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