Quem é Eugénio de Sá?
R: Afinal um homem comum, alguém que passou pela vida atento ao que o
rodeava e que aprendeu a deslumbrar-se com a natureza e com mundo
encantado dos sentimentos dos seres que o habitam, considerando menores os
seus desvios.
Da minha ‘nota biográfica’, menciono o que considero mais relevante:
Nasci em 1945, no típico bairro da Ajuda, em Lisboa, Portugal.
Lá do alto, a vista estende-se até ao Tejo e à Torre de Belém, que
assinala a partida das naus para a epopeia dos descobrimentos.
Lisboa está-me nas veias, tal como a literatura e a poesia, que sempre
me cativaram o espírito.
Por circunstâncias da vida familiar, cedo conheci Sintra – hoje
classificada como Património da Humanidade – onde vivi e estudei durante
toda a fase do ensino secundário. Uma vila encantada, que ainda hoje
visito regularmente, já que vivo a uns escassos cinco quilómetros dela.
A frequência do Instituto Superior de Comércio levou-me ao quotidiano da
capital, até que chegou o tempo de cumprir o serviço militar na Força
Aérea Portuguesa, corria então o mês de Outubro do ano de 1962. Depois de
1965 foi em Lisboa que sempre trabalhei. Foram mais de trinta anos
prestando o meu serviço em diferentes órgãos de comunicação e em duas
agências de publicidade multinacionais. Toda uma vida profissional rica em
experiências e relacionamento humano.
Hábitos de leitura, a que uma avó querida não é alheia, dotaram-me de
vontade e gosto pelo conhecimento, tendo sido sempre um ávido leitor.
O deslumbramento pela poesia chegou em 1968, trazida num livrinho que
recebi das mãos de José Saramago, então colaborador do Jornal A Capital,
onde iniciei a minha actividade de comunicador, a que me dediquei largos
anos. Todavia, só em 1999 comecei a escrever poesia.
Já aposentado, vivi cerca de cinco anos no sub-continente sul-americano,
mais precisamente no Brasil e na Colômbia, onde reuni material e
experiência para poder completar um livro. Provavelmente será um livro de
crónicas, género literário onde estou mais à vontade, e que me vai
permitir juntar, num único volume, um conjunto de textos escolhidos que
abordam o ‘comportamento humano’, enquadrado pelas diferentes estruturas
culturais que conheci na Europa, em África, e na América do Sul.
Em Abril de 2011 regressei definitivamente a Portugal.
Em suas veias tem sangue poético hereditário?
R: Não posso afirmá-lo formalmente, embora o meu avô materno fosse um
interessado leitor desta especialidade literária. Digamos que o meu
assíduo convívio com poetas, proporcionado pela profissão que abracei,
muito contribuiu para induzir em mim essa motivação.
Como e quando você chegou até a poesia?
R: Respondo com a introdução que escrevi para abrir a palestra que proferi
aquando da homenagem de que fui alvo por parte da APP – Associação
Portuguesa de Poetas, em Março de 2009, no Palácio Foz, em Lisboa. Disse
então:
“ Ela revela-se naturalmente, à medida que vai tomando forma em nós a
parte adquirida da nossa personalidade; o carácter.
Sem quase nos darmos conta, cada revelação que vamos registando na nossa
caminhada pela vida, vai sendo temperada
de uma visão sublimada do que nos rodeia. Os nossos sentidos apuram-se, os
nossos sentimentos experimentam mais elevação,
a nossa imaginação ganha asas… até que um dia… damos por nós escrevendo e,
sobretudo, sentindo… poesia.
E perguntamo-nos, então: mas que fiz eu para merecer que semelhante dom se
vertesse em mim? – Onde encontrou Deus razões para me dotar do engenho de
transmitir aos outros os Seus valores maiores; da solidariedade, da paz,
do amor…?
Mas se assim aconteceu, temos de o aceitar com humildade e espírito de
missão, com serenidade, mas também com determinação.
É o que tenho tentado fazer nesta caminhada pelo mundo encantado da
literatura e da poesia. O mundo da língua de Camões, o mundo da cultura
lusófona. "
http://www.joaquimevonio.com/nhomenagemeugeniodesa.htm
Como surgiu sua primeira poesia?
Ela foi feita em momento de emoção?
R: A melhor forma de o explicar encontro-a na primeira metade texto
poético que escrevo em 2006, que denominei “Talvez o último poema”:
“Foi no mar que tudo começou;
A mão que pedia para escrever,
os olhos, cheios de brumas,
que me ditavam os versos
e os vertiam na alma,
os cheiros da maresia
e de peixe acabado de pescar,
e o embalo da mansa perturbação da água
pela brisa do norte, chegada em murmúrios.
Foi neste mar de Portugal,
ao largo das alcantiladas penedias da Roca,
onde a terra penetra fundo no Atlântico,
que me senti, pela primeira vez, Poeta.
Não, porque as letras que ia desenhando
convergissem numa rima obrigatória,
mas porque a lógica deu lugar ao sonho
porque senti emergir a doçura,
da contumaz razão analítica,
porque não lia na minha escrita
nada que não fosse amor, beleza, perdão.
A cadência da larga ondulação
como que… por magia
limava em mim as vivas arestas das memórias
deixando-as suaves, castas, redentoras. (…) “
Qual o seu tema preferido?
R: Tal como atrás aludi, gosto francamente de ‘navegar’ pelo âmago dos
sentimentos humanos, não para os procurar explicar – não tenho essa
pretensão, nem entendo muito bem que haja quem disso se arrogue – mas,
outrossim, para os expor à sensibilidade dos meus pares e leitores.
Citando parte da nota do autor da minha última obra direi de mim próprio:
“ Sou, como me têm caracterizado alguns poetas que admiro e respeito; “um
poeta versátil”, baseando-se certamente na profusão temática da minha
poesia.
Sirvo-me, para isso, de alguma cultura geral adquirida pela leitura e pela
atenta e intensa vivência destas minhas seis décadas de existência.
O jornalismo e a literatura habituaram-me a ser um analista; a estar
atento, a separar o insólito do comum, a qualidade e o que lhe é inferior,
a avaliar as situações e os homens. O sentido humanista da minha formação
ensinou-me a ser justo e equilibrado nos meus julgamentos. A filosofia
ajudou-me a pensar melhor, a racionalizar. A poesia, decididamente,
revelou-se o lado lúdico da minha existência. Leio-a e escrevo-a
diariamente, e confesso-me apaixonado ao afirmar, com sinceridade, que já
não saberia viver sem ela.”
É romântico? Chora ao escrever?
R: (sorriso) – É verdade, nem sempre isso ocorre, mas quando a temática é
histórico-épica e me faz recuar a épocas remotas, mormente as que têm a
ver com o meu país, sempre sou dominado por uma forte emoção que bastas
vezes me leva às lágrimas.
Estranho, não é?
Entrando em confissão; direi, concretizando num exemplo, que ainda
hoje, ao ler, ou mesmo só a ouvir a declamação de Anna Muller em
“Aljubarrota – A batalha real”, sempre tal me acontece; as lágrimas
saltam-me, imparáveis.
Já noutras temáticas, não lembro disso haver acontecido.
Encontrará o fenómeno descrito explicação em vidas passadas? – Quem sabe…
Qual sua religião?
R: Sou cristão, convicto e baptizado, mas não frequento com assiduidade os
cultos respectivos. Todavia, elevo, com frequência, o pensamento até Deus
e reflicto nos meus credos e convicções, o que me leva a estágios em que
por vezes paira alguma perplexidade.
Um Ídolo?
R: Tenho alguns. Como exemplo de humanismo solidário, sem dúvida: Mahatma
Gandhi, Madre Teresa de Calcutá e o incontornável e saudoso João Paulo II.
No mundo da literatura clássica portuguesa: Camilo Castelo Branco, Eça de
Queiroz e o grandíssimo poeta José Maria Barbosa du Bocage. Falando dos
escritores contemporâneos do meu país; as minhas principais referências
vão para Saramago e Lobo Antunes. Também me é obrigatório referir os
poetas David Mourão Ferreira (um neo-romântico) e José Carlos Ary dos
Santos, o mais notável dos versáteis. Ambos conheceram o aplauso da nação
portuguesa na segunda metade do século passado.
Para não me estender em referências a autores estrangeiros, ficar-me-ei
pelos contemporâneos. E desses, citarei o chileno Pablo Neruda, o
colombiano Gabriel Garcia Marquez, e o peruano Mário Vargas Llosa, e ainda
pelo menos falado mas igualmente talentoso, o guatemalteco Miguel Angel
Astúrias.
Quanto aos brasileiros, sou fã confesso de Castro Alves e de Vinicius de
Moraes, e leitor regular de Machado de Assis, Manuel Bandeira, Jorge
Amado, entre outros a que já me habituei ao longo destes anos em que privo
com as edições de tantos amigos do país irmão.
Você lê muito? Qual seu autor preferido?
R: Digamos que li muito. Hoje, atendendo à muita informação que me chega
diariamente pela internet, me habituei a ler ‘em diagonal’, como se diz em
gíria jornalística para significar que a sistematização da leitura nos
leva à prática de saber captar a ‘essência da mensagem’ num relance de
vista pelo texto em presença.
Mas é claro que tenho sempre um livro de cabeceira, que vou lendo aos
poucos. Nestes dias estou lendo “Antes de nascer o mundo”, do escritor
moçambicano Mia Couto.
Quais seus sonhos como poeta?
R: (mais um sorriso) Aos 69 anos, cumprida a minha missão de deixar
descendência e de haver plantado uma árvore (uma figueira),
restar-me-ia, como escritor e poeta, deixar obra impressa em papel, já que
existem alguns e-books, ou livros virtuais, como sói dizer-se. Não que nos
dias que correm, isso seja assim tão importante como o foi no passado. Mas
enfim, talvez gostasses que isso acontecesse. Todavia, tenho a minha
própria opinião a esse respeito, naturalmente, e acho muito pouco provável
que nos estado actual da sociedade em que me vivo consiga ver reunidas –
ainda que a médio prazo – condições para que tal aconteça.
Não sendo, pois, esse o meu verdadeiro “sonho” quero revelar o autêntico,
mas que (desgraçadamente) também é praticamente impossível de ver
realizado: gostaria, isso sim, de passar os anos que me restam numa
pequena – e ainda que modesta – casa num local paradisíaco, que me
proporcionasse escrever à vista de um mar lindo, como aconteceu com
Neruda, quando viveu na bela Isla Negra. Enfim, sonhos…
Como e onde surgem suas inspirações?
R: Das mais diferenciadas situações. Isso entende-se até pela leitura das
minhas crónicas, que sempre denomino de “pedaços de vida”. Às vezes
até me chega numa frase, numa palavra que escuto ou que leio, ou numa ideia que simplesmente me ocorre sempre que me sento a meditar sossegado e
despreocupado, o que acontece amiúde.
Você já escreveu algo que depois de divulgado tenha se arrependido?
R: Não que me lembre, mas admito que tenha ocorrido, sim.
Qual o filme que marcou você?
R: Vários. Histórico-épicos: “A queda do Império Romano” e “El Cid”.
Dramas: “Bruscamente no Verão Passado”, baseado numa novela de Somerset
Morgan, com um memorável desempenho de Montgomery Clift. Só para citar
alguns.
Como é o amor para você?
R: Defino-o como escrevi num dos meus poemas: “quando ele nos chega nada
mais importa”. O segredo está em saber conservá-lo vivo,
porque vivê-lo sem intensidade e verdade, é condená-lo a uma lenta e
inevitável extinção. Mas para isso são precisas duas vontades conjugadas,
naturalmente.